A Reforma Tributária brasileira introduziu no ordenamento jurídico o Imposto Seletivo, que é um imposto que incide sobre bens e serviços que causam dano ao meio ambiente ou à saúde coletiva.
Mas, na verdade, até aí não tem nada de muito novo.
No Brasil, aquilo que faz mal ao meio ambiente ou à saúde coletiva já tinha uma carga tributária mais elevada. Quer um exemplo? Cigarros. Os cigarros possuem alíquotas maiores dos tributos que incidem sobre o consumo, como do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Acontece que o IPI opera com base no princípio da seletividade, o que significa que ele pode graduar suas alíquotas conforme a essencialidade ou não de um produto. Em outras palavras, podem ser criadas alíquotas menores para bens essenciais, como itens de higiene básica, e alíquotas maiores para bens não essenciais ou que causem dano a coletividade, como cigarros e bebidas alcoólicas.
│E qual é a diferença do IPI para o Imposto Seletivo?
Acontece que ainda que o IPI opere com base no princípio da seletividade, ele se trata de um tributo fiscal. O Imposto Seletivo, por outro lado, é um imposto extrafiscal. Um imposto tradicionalmente possui uma função: arrecadatória. Essa é a função fiscal do imposto, arrecadar receitas para a manutenção do Estado. Um imposto extrafiscal, por outro lado, não possui função arrecadatória. Um imposto extrafiscal, na verdade, é criado para interferir no padrão de consumo e no comportamento de mercado, para desestimular determinados comportamentos. Ele incide, assim, sobre aquilo que de algum modo causa dano à coletividade. E isso vai acontecer por duas razões: para internalizar no custo do bem ou serviço as externalidades negativas e para influenciar comportamentos.
Eita! Parece complicado, mas segue a linha de raciocínio. Vamos pegar um exemplo, o exemplo da empresa Z e da empresa B. A empresa Z adota práticas sustentáveis e ecológicas em suas linhas de produção, fazendo separação do lixo, reciclando os materiais descartados e evitando o consumo exacerbado de recursos. A empresa B, por outro lado, descarta seu lixo em um afluente, usa os recursos de maneira inconsequente e, de maneira geral, não se importa com seu impacto ambiental. A empresa B estará causando um dano ao meio ambiente. E o meio ambiente é um direito fundamental coletivo de todos. Então é um direito meu e seu, nosso. E se alguém causa dano a esse direito, deve ser responsabilizado.
Não é nem justo imaginar um cenário onde a empresa B não é responsabilizada. A empresa B desrespeita um direito fundamental e causa danos a coletividade. A tributação, assim, através da função extrafiscal entra como uma solução para essa situação. É possível criar um imposto que irá incidir especificamente nessas situações negativas, pegando esse dano causado ao meio exterior e internalizando ele dentro do produto, através de um custo adicional. É isso que a doutrina chama de "internalizar as externalidades negativas". É internalizar no bem ou serviço o resultado negativo causado no meio externo. Assim, o "poluidor paga" pelo dano causado, através de um aumento no custo do seu produto que ocorre através da tributação. Esse tipo de imposto também é chamado de imposto pigouviano 💡
Assim, esse bem ou serviço prestado pela empresa B fica mais caro. E por ficar mais caro, isso significa também que ele terá mais dificuldades de permanecer competitivo no mercado. Consequentemente, a ideia é também tornar esses produtos e bens mais caros para que os consumidores optem por não comprá-los. Nessa linha, a ideia é que o bem ou serviço que não causa esse dano seja mais barato, e consequentemente se torne o mais consumido no mercado.
Então o Imposto Seletivo possui função extrafiscal e incide sobre as atividades que de algum modo causam dano ao meio ambiente ou à saúde coletiva, para internalizar o dano no preço do bem ou serviço e, ao mesmo tempo, torná-lo mais caro e menos competitivo no mercado.
Isa, mas isso não fere a neutralidade e a capacidade contributiva? Aí que vai ser importante ter uma relativização de princípios e, através de outras políticas públicas, manejar eventuais prejuízos que o Imposto Seletivo possa causar especialmente na população mais fragilizada. Mas isso é papo para outra postagem.
E quanto ao princípio da isonomia? Como muito bem pontua o prof. Paulo Caliendo no artigo "Extrafiscalidade Ambiental e Energias Renováveis", a extrafiscalidade promove isonomia. Isso porque não é justo tratar duas situações diferentes do mesmo modo. Se eu tenho alguém que fere um direito e uma outra pessoa que não fere, é justo que as duas recebam o mesmo tratamento? Ou ainda, é justo que a primeira não seja responsabilizada?
Na teoria, esses são os princípios básicos do Imposto Seletivo e de como funciona a extrafiscalidade.
│Claro, isso tudo na teoria. Mas na prática...
A prática é sempre um pouco mais torta do que imaginamos. E isso não é muito diferente no caso do Imposto Seletivo brasileiro.
A bem da verdade é que a lei nº 214 de 2025 foi um pouco controversa ao determinar quais bens são objeto do Imposto Seletivo. A lei estipula através de um rol taxativo quais bens e serviços são tributados, ou seja, determina que só podem ser tributados aqueles bens específicos que estão na lei. E entre os vários debates que tivemos, acontece que carros elétricos e carros movidos a combustíveis fósseis entraram juntos nessa lista.
Acontece que veículos movidos à combustíveis fósseis sabidamente são muito mais poluentes do que os elétricos. Ta, mas e a história da bateria do carro elétrico? Que tem uma pegada de carbono altíssima para produzir e o descarte também é difícil?
Mesmo com a bateria, o carro elétrico possui uma pegada de carbono inferior aquela do veículo movido a combustíveis fósseis.
Se olharmos para a vida útil do produto, ainda que realmente seja mais poluente produzir a bateria do carro elétrico, ele tem uma performance geral muito menos poluente do que o carro movido à combustíveis fósseis. Assim, no longo prazo, o carro elétrico polui muito menos.
E o descarte da bateria? O descarte da bateria é outro problema muito importante, e na bem da verdade não é um problema exclusivo dos carros elétricos. A destinação de resíduos sólidos por si só é algo que deve ser revisado pela lei brasileira, e iniciativas de reciclagem e reutilização das peças podem ajudar nesse processo. Mas a verdade é que mesmo com o descarte, os principais centros de pesquisa no mundo ainda entendem que o carro elétrico é menos poluente. Eu explorei um pouco mais desse tema junto da prof. Melissa Castello no artigo "Função Extrafiscal e a Adequação do Imposto Seletivo incidente sobre carros elétricos", se você tiver interesse em ler mais sobre isso..
E qual o problema disso? O problema é que ao tributar tanto a alternativa menos poluente como a mais poluente do mesmo modo, a lei basicamente está equiparando ambos e definindo que ambos são poluentes do mesmo jeito, sendo que isso não é verdade. Não apenas não é verdade, mas vai contra o que a ciência aponta. E isso pode ser preocupante, pois a tributação ambiental e o direito ambiental são guiados pela ciência, que aponta o que está de errado com o meio ambiente ou não. E afastar a lei do que a ciência aponta pode ser perigoso.
Mas ainda temos muito pano para a manga, e só o futuro poderá apontar com definição o que acontecerá com o Imposto Seletivo.
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Atenciosamente,
Isabela
15-05-2025
Quem sou eu?
Advogada e Mestre, graduada em Direito no Brasil e na Itália, conectando constantemente o profissional com o acadêmico. Pesquisadora na área de Direito Tributário Ambiental, com foco em precificação de carbono. Atualmente desenvolve sua Dissertação de Mestrado sobre o Mecanismo de Carbono da União Europeia. Clique aqui ou na aba "Quem sou eu?" para saber mais e conhecer meu trabalho acadêmico e profissional.